A nova minissérie da Netflix chama a atenção do público por seus temas delicados, performances emocionantes e episódios gravados em plano sequência
Por Clara Ferreira de Morais

Série Adolescência, da Netflix. Foto: Divulgação
A produção britânica lançada no dia 13 de março se tornou a minissérie mais assistida na história da plataforma, com mais de 66 milhões em apenas duas semanas de exibição.
A trama gira em torno de Jamie, um jovem de treze anos acusado de assassinar brutalmente uma colega de classe. No decorrer dos episódios vão se desenrolando as motivações do personagem para cometer tal crime.
Mas o que vem motivando esta corrente de ódio e agressividade atualmente? Um ponto muito importante apresentado na história é a influência negativa que as redes sociais têm na nova geração. A barreira que a internet constrói entre pais e filhos e o uso excessivo e sem proteção de dados leva ao consumo de conteúdos nocivos à saúde mental, à segurança, e até locais de vulnerabilidade como o cyberbullying que o próprio Jamie sofre. Tudo isso acontecendo sem o conhecimento dos pais sobre o que se passa dentro do mundo digital.

A psicóloga Letícia Belo. Foto: Arquivo pessoal
Em entrevista ao Jornal Contexto, a psicóloga Leticia Belo explica que as redes sociais criam “um outro mundo, que não necessariamente é o mundo real”. Para ela, “esse é um dos grandes problemas e que a série tenta abordar um pouco. Porque alguém que está de fora, que não faz parte daquele mundo, ouve tudo aquilo e pensa, isso não faz nenhum sentido”.
Para a psicóloga, “dentro do algoritmo, dentro das conversas, dentro dos fóruns, dentro até mesmo de deep web, entre outras plataformas, isso faz sentido. Então, dentro daquele meio faz muito sentido”.
Letícia explica ainda que “é nítido como as redes sociais têm um impacto direto na saúde mental, nos adolescentes principalmente. É muito importante que a sociedade comece a olhar para isso e pensar estratégias para lidar com isso. Para alguns pode parecer uma medida muito drástica, mas retirar o celular dos adolescentes, pelo menos na escola, já é uma possibilidade”.
Um dos pontos representados na série é a cultura ‘’red pill’’, fazendo alusão ao filme Matrix. O movimento, compartilhado em fóruns, mostra como propagar informações misóginas e machistas e sobre como se portar na sociedade e tratar as mulheres, com o objetivo de mostrar que quem segue seus conselhos ”acorda” para o mundo e começa a enxergar a realidade, assim como no filme. Na série, Jamie se mostra um adepto desse conteúdo, tanto em suas falas quanto na forma de agir.
“Quantas vezes a gente já viu aqui no Brasil, por exemplo, jovens que acompanhavam páginas específicas e foram em escolas e fizeram barbaridades, porque no fórum todo mundo acreditava naquilo. Aquele episódio de Suzano, que teve no Brasil há uns anos atrás, reforçava muito esse papel”, explica. “É quase aquele marketing de tocar na dor do público. Eles fazem algo muito parecido com isso”.
Letícia revela que ela mesma já teve a oportunidade de visualizar alguns fóruns. “Por uma questão de curiosidade mesmo, principalmente quando eu estava na faculdade, de entrar e ver o que essas pessoas falam”.
Quando ocorreu o atentado de Suzano, ela entrou nos fóruns para ver o que se passava. “A quantidade de homens que estavam ali, alguns novos, alguns maiores de idade, adultos mesmo, reforçando o quanto foi incrível a atitude dos adolescentes ao matar outras mulheres, matar outras crianças. Então, você está naquele meio, você começa a acreditar que aquilo é real (os usuários). E aí, cria-se uma dicotomia entre o que é real e o que não é real”, afirma Letícia
Por fim, outro grande pilar representado na série é com o desenrolar da história e a condenação do personagem e em consequência, o luto vivido pelos pais e a irmã de Jamie, após perder um membro que nem mesmo morreu.
“O nome da série ser ‘adolescência’ deixa muito marcado esse lugar, esse lugar que não é sobre o Jamie, apesar de ele ser o personagem principal. Conta sobre a adolescência em várias nuances diferentes. O que é ser pai de um adolescente, o que é ser mãe de um adolescente, o que é ser um adolescente que tem as outras crianças, os adolescentes ali na escola. Então, acho que é bem legal mostrar essas transformações”.
Em relação aos pais, Letícia explica o quão complexo isto é. “Esse é um dos grandes pontos para os pais do Jaime também. Qual é a nossa parcela de culpa no que aconteceu? No quesito não ter fiscalizado o que ele fazia, o que ele conversava nas redes sociais, quem eram os amigos dele. Mas, ao mesmo tempo, uma parcela de culpa, assim, será que nós somos uma parte do Jaime? Será que em algum momento da nossa história, da nossa criação com ele, a gente deixou transparecer pra ele que ele poderia fazer algo nesse sentido? Então existe, sim, uma preocupação dos pais que é muito válida”.