Se você ainda não leu José Saramago, te convido a começar pelo “O conto da ilha desconhecida”.
Se já o leu, talvez saiba de algumas profundezas contidas nessa embarcação. Embarcação, de fato, pois a leitura dessa obra nos conduz a uma viagem à procura de uma ilha desconhecida, que se depara com o amor, o não saber e o autoconhecimento.
José Saramago, literato português extraordinário- o único autor lusófono a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998- herda da tradição marítima do seu país as alegorias sobre navegação em sua travessia pela escrita.
Logo na primeira linha de “O conto da ilha desconhecida”, publicado em 1997, já nos é apresentada a trama: um homem que bate à porta das petições para pedir um barco ao rei. Não se sabe o nome do protagonista, a sua fisionomia ou a sua cidade natal. Tudo o que sabemos é a sua obstinação em conseguir um barco a fim de navegar à procura da ilha desconhecida.
O pedido é feito e encarado com espanto, afinal, nunca alguém havia esperado por 3 dias na porta das petições para falar com o rei pessoalmente. O natural era que o pedido fosse ignorado por todos os secretários e ajudantes do rei até chegar na base da hierarquia: a moça da limpeza, que escutava o pedido e repassava a todos os envolvidos que ignoravam o ressoar contínuo da aldabra de bronze. Enquanto isso, o rei se demorava na porta dos obséquios, onde era contemplado e recebia gentilezas. Também era esperado que as pessoas batessem à porta pedindo títulos ou dinheiro, nunca um barco, como fez o homem.
Para quê um barco? E, por que navegar à procura da ilha desconhecida? Existe, afinal, uma ilha que ainda não tenha sido desbravada? Como vai navegar se não o sabes? Desafiando o que está estabelecido socialmente, confirmando o seu não saber e obstinado na busca de si próprio que o protagonista afirma:
“É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não saímos de nós.”
O homem então, que não sabe navegar, não sabe de si mesmo e tantas coisas mais, ousa a enfrentar o desconhecido para descobrir-se. Após as explicações e a pressão social para que o barco lhe fosse concedido, o rei pede que ele vá ao encontro do capitão do porto. E, vendo tamanha teimosia e persistência, a mulher da limpeza resolve acompanhá-lo, saindo da porta das decisões determinada a não mais abrir e fechar portas do palácio.
Por fim, o homem consegue um barco, que mais parece uma caravela, depois de todos os conselhos contrários do capitão. E agora, como o homem vai aprender a navegar? E a sua tripulação? E a mulher da limpeza? Qual é a rota que será desbravada?
O conto da ilha desconhecida é não apenas sobre o sonho de um homem em ter um barco e enfrentar o desconhecido, mas sobre uma tarefa contínua do autoconhecimento, um vir a ser repleto de desafios e transformações. Por isso, se você deseja, assim como a mulher da limpeza, acompanhar essa viagem instigante, escrita por José Saramago, o convite está feito.
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