Há 127 anos atrás, no dia 19 de junho de 1898, o italiano Afonso Segreto voltava da Itália com uma novidade na mala: um cinematógrafo, aparelho que seria o precursor do cinema. Do navio em que chegava, ele fez imagens da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Desde então, a data se consolidou como o dia do cinema brasileiro.
Pensando nessa data tão especial, o Jornal Contexto conversou com o diretor de cinema Marcelo Felipe Sampaio, que compartilhou um pouco de sua jornada com a arte. Na entrevista, ele fala sobre sua trajetória, defende uma maior valorização do cinema independente e destaca a importância de sucessos como “Ainda estou aqui” e “O agente secreto”. Além disso, conta como a paixão pelo cinema começou na infância com o filme “Tubarão”, de Steven Spielberg.
“Eu fiquei muito impactado com o filme, com aquele bicho, e depois, em 1988, eu fui assistir o Predador, sabe? Aquele do Arnold Schwarzenegger, É o que a gente tinha na época, Até os meus amigos da escola de cinema falam, se brincam comigo, eu vou dizer, ah, Godard, cinema francês. Não, eu queria ser cineasta porque eu assistia o Predador. Eu queria estar dentro de uma produção daquela”.
Ele também conta que, no início de sua carreira, seu interesse era pela música. “Comecei a tocar contrabaixo, toquei em lugares bacanas, com gente muito famosa, e foi bem legal. Naquela época, que meus contemporâneos eram o Raimundos, o Titãs, Charles Brown Jr., Skank, Gilberto Gil, Então, com todos eu já dividi palco”.
Em meados dos anos 2000, o interesse musical e audiovisual se uniram. “Montei uma banda que tinha uma vídeo-exposição no fundo do palco. Eu nunca tinha mexido com câmera, não sabia o que era lente, não sabia nada, mas eu queria fazer uma sincronia de música com cinema. Então, nós tocávamos com a música sincronizada no fundo do palco com um telão. Era um negócio muito difícil de fazer na época, porque a gente fazia em VHS (fita magnética) e tinha que sincronizar com a bateria, com as vozes. Usamos samples do cinema nacional. como do filme “Pixote, a lei do mais fraco”, (Héctor Babenco), do próprio Tubarão (Steven Spielberg), e sincronizávamos tudo isso. Fazíamos pequenos filmetes também, com atores nossos. Até estreamos no Teatro Popular do SESI. Aí a música começou a ficar muito pouco”.
A partir dali, Marcelo e o cinema se tornaram inseparáveis. um amigo lhe ofereceu um trabalho na área , como professor. Depois, entrou na Escola Livre de Cinema e Vídeo e fez Rádio e TV na Uniban.
Sua trajetória inclui diversos trabalhos no audiovisual, como comerciais, filmes e documentários. “Em 2004, comecei a fazer meu primeiro documentário, demorou muito para fazer, porque comecei em 2004 e lancei em 2019. O “Eldorado-Mengele”, lançamos num festival e já tivemos o primeiro prêmio. Deu muita alegria, ganhei prêmios em Hollywood, Los Angeles e Amsterdã. Além do filme ter uma grande visibilidade no Amazon Prime Video e History Channel, depois disso não parei mais, já estou no quinto longa-metragem”.
Nos últimos tempos, o cinema nacional tem tido grande repercussão no exterior. “Fico muito orgulhoso de ver um diretor ganhar tantos prêmios, Isso é muito bom para o cinema, porque, de certa forma, fomenta, esquenta o cinema nacional, e reflete em mim como diretor também. Além de dar uma inspiração, falar ‘bom se eles chegaram, a gente também pode chegar’”, diz.
Porém, ele também explica como o cinema independente precisa ser mais valorizado. “O Kleber Mendonça e o Wagner Moura são os caras que conseguiram prestígio internacional, mas a gente tem que valorizar mais aqui, o cinema daqui, até facilitando um pouco a parte legislativa, as leis de incentivo, elas são muito burocráticas, e, às vezes o cara é só artista, sabe fazer filme, mas não sabe fazer a parte legislativa, então tem que dar uma valorizada”.
Questionado sobre a escassez de público nos cinemas e o porquê desse fenômeno ele conta: “Olha, eu fui assistir “Homem com H” e a sala estava vazia, entendeu? Um filme maravilhoso e a sala estava vazia. Eu acredito que por conta do streaming, o pessoal está parando um pouco de ir no cinema, Em 1988, fui assistir um filme do Arnold Schwarzenegger, e, cara, a fila dobrava a esquina. Mas, naquela época, a gente só tinha o cinema e a TV, não tinha streaming, Hoje o mundo está na palma da nossa mão, você vê, fui assistir uma produção nacional e a sala estava vazia. E meu filho foi assistir Minecraft, a sala também vazia. Então, o cinema está perdendo público geral. e nós como cineastas precisamos nos reinventar”.
Marcelo conta que tem algumas de suas produções no streaming, mas acaba não recebendo um valor justo por elas. “É muito legal você ter um filme nessas plataformas, mas o streaming precisa se desenvolver mais também a parte financeira para os produtores. A gente continua trabalhando porque gosta, Mas precisamos ganhar dinheiro também, porque nós como produtores precisamos comprar equipamentos melhores para produzir com mais qualidade. Os streamings exigem muita qualidade dos produtos, mas não devolvem na mesma medida”.
O diretor deixa um conselho para a nova geração de cineastas: ficar próximo de pessoas que façam o que você gosta porque você vai aprender muito mais. “Você tem que ter uma resiliência muito grande, saber lidar com as pessoas, e o principal, você precisa saber respirar e aprender”.
Por fim, Marcelo espera que as pessoas olhem para o cinema independente. “Temos que dar formação e dar subsídio para esse pessoal sobreviver, para ter mais Kleber Mendonça e para ter mais Wagner Moura, para ter mais ‘Ainda Estou Aqui” e “O Agente Secreto”, para todo mundo produzir. Senão, esse dia vai ser mais um dia. Se é para ter o Dia Internacional do Cinema, vamos valorizar os cineastas”, conclui Marcelo.